Mário Cabrita Gil

LISBOA 94 - CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA

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1994

"Lisboa 94 - Capital Europeia da Cultura"

4 fotografias impressas a jacto de tinta em telas com 8x10 metros expostas no Bairro Alto em Lisboa

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"Estas fotografias não procuram fixar a harmonia convencional de uma figuração do corpo

reconhecível e pacificada. Pelo contrário, procuram criar o ensejo de uma perspectivação

dos corpos como campo de exercícios produtivos de situações físicas sempre instáveis,

precárias e passíveis de surpresa".

Alexandre de Melo

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O Corpo-Modernidade e Classicismo

Desde já devo esclarecer que não sou crítico de arte. Tão só serei conviva e cúmplice em

certos momentos. Noutros apenas curioso, e noutros nem sequer isso. Serei portanto

daqueles privilegiados que não sendo oficial de tal mester, estará assim mais disponível para

dizer "eu gosto" ou "eu não gosto", ainda que incorra em eventual delito de "lesa crítica".

Foi por isso com alguma perplexidade que acolhi este convite do Mário, sendo óbvio que o

entendo antes de tudo como resultado de uma amizade longa, mas também, e porque se

trata de um trabalho que conheço bem, como exemplo do tal "convívio cúmplice" que por

vezes nos relaciona com determinados projectos. E será essa a perspectiva em que me

coloco, sem quaisquer outras pretensões.

Poderia talvez começar por evocar a História, a representação do corpo na cerâmica

cretense, na escultura clássica greco-latina, na ornamentação da arquitectura religiosa no

oriente e na Ásia. Em todo o nosso percurso ocidental, tão contemplativo como atribulado,

o corpo foi assumindo tudo o que o tempo e os criadores foram imaginando e o(s) meio(s)

"consentindo".

Haveria que desfiar um novelo em que os séculos se sucedem, num palco em que a peça se

mantém e mudam apenas os actores. O corpo é interpretado e representado segundo este

ou aquele sonho, este ou aquele ícone do tempo, sempre de uma forma contextualizada

mas, como em tudo o que se passa na arte, nem sempre bem entendida no momento da

criação. Desenho, pintura, escultura, dança, vão assumindo, num processo longo de

séculos, as diferentes estéticas que a representação do corpo foi oferecendo. E se o corpo

é por natureza sinal de identidade, é por isso passível de representação. Venerado, amado,

erotizado, esvaziado, odiado, o corpo atrai a arte irremediavelmente, tanto quanto

permanece esse "objecto obscuro e central do pensamento humano" como definiria Freud.

Mas a fotografia foi talvez a arte que melhor sintetizou todo o conjunto de representações

estéticas que o corpo assume milenarmente. A fotografia, que hoje ninguém se atreve a pôr

em causa como disciplina maior das artes plásticas, conseguiu ajudar-nos a conhecer

melhor uma História cujo conhecimento era muito restrito cem anos atrás. É um facto. E a

esse facto, haverá que somar a sua natural relação com a imagem do corpo, como realidade

e identidade. A fotografia oferece-nos determinada realidade estética pela via do corte e da

abstracção, face a um enquadramento rígido, traduzindo tudo num objecto síntese que tem

o particular sortilégio de nunca perder uma ténue ligação ao real. Assim acontece quando o

discurso anda à volta do corpo e da sua representação.

Perante esta bela série que o Mário Cabrita Gil apresenta, pouco haverá a dizer par além

daquilo que está à nossa vista. Neste caso adjectivar pode ser traír. Preferiria sublinhar o

que aqui me parece único ou seja, o equilíbrio conseguido entre o milenarismo do tema

proposto, e a contemporaneidade  de uma leitura de extremo rigor estético e técnico. Sem

que com  isso se perca calor ou emoção…Há todo um movimento, sempre codificado, em

dois corpos combinados entre si coreograficamente, e trabalhados com rara engenharia pelo

autor; pela luz, pela sombra, pelo detalhe, e sobretudo pela coerência de um discurso que

me parece ser antes de tudo libertador. Não querendo ser abusivo, deixaria a Herberto

Helder o que nunca se esperaria que fosse meu:

Estala,

O suspiro da lenha suada gota a gota,

Que lhe apura o corpo e o aprova,

Que o apavora,

Potência múltipla desordenando os nomes; mantendo

o mundo

pela desordem

Quatro destas fotografias fizeram parte de uma curiosa história de cidade, ao serem

expostas individualmente, e em grandes dimensões (8x10 metros), na Sétima Colina de

Lisboa, entre o Chiado e o Príncipe Real. Recordo com nostalgia e sabor essa minha

cumplicidade, num projecto de intervenção urbana que pela primeira vez  se realizava em

Portugal. Partilho particularmente com o Mário, para além das petites-histoires  desse

momento, aquele monumental engarrafamento nocturno quando as fotografias foram

apresentadas aos transeuntes pela primeira vez…Aí, como sempre, o artista primou pela

discrição e pela modéstia. Será essa porventura outra qualidade de quem é, a todos os

títulos, uma figura incontornável da fotografia e da arte actual no nosso país.

Elísio Summavielle.

 

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